terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

A FAMA E A CONSTRUÇÃO MIDIÁTICA

HISTÓRIAS DE MÁ FAMA

Livros analisam a construção midiática das celebridades desde os tempos áureos de Hollywood até a era das revistas de fofocas e da internet

O "Big Brother" é bem mais civilizado do que assistir a pessoas sendo devoradas por leões

STEPHEN CAVEA fama não é mais o que era. Houve época em que era dada àqueles que faziam algo útil, como descobrir a gravidade ou vencer uma guerra mundial. Hoje é entregue de graça a qualquer pessoa que fique em segundo lugar num programa de talentos na TV, que mais tarde tire a roupa para uma revista masculina e então escreva sua autobiografia aos 25 anos, enquanto tira o dia de folga de uma clínica de reabilitação.Ou, pelo menos, é disso que se queixam nossos intelectuais respeitados. Tome-se o caso de seu alvo favorito, Paris Hilton, a pessoa mais famosa a ser famosa simplesmente por ser famosa. Embora seja uma das pessoas mais procuradas no Google no mundo, ninguém consegue se lembrar exatamente por que nos interessamos por ela.O "Guinness World Records" [Ediouro] a classifica como a celebridade mais supervalorizada do mundo, mas nem sequer está claro por que é supervalorizada.

A acreditarmos nos especialistas de plantão, ela é a personificação de nossa era fútil, a figura de seios nus que está na proa de um navio durante um cruzeiro de festas regadas a muita bebida, que vaga a esmo sem um norte moral.Os filósofos, em especial, parecem estar convencidos de que nossa obsessão com a celebridade instantânea aponta para a aproximação do fim da civilização -e uma série de livros recém-lançados traz argumentos diversos sobre isso.

Do alto de sua torre de marfim, esses escritores veem Paris Hilton, Britney Spears, Lindsay Lohan e Jade Goody galopando em sua direção sobre os quatro cavalos do apocalipse cultural, corrompendo a juventude com seus vídeos sexuais pirateados e as confissões reveladoras que arrastam em sua esteira. Fim dos temposO primeiro lugar entre esses profetas do fim dos tempos é ocupado por Mark Rowlands, professor de filosofia na Universidade de Miami, cujo livro "Fame" [Fama, Acumen, 128 págs. 9,99, R$ 33] lamenta a ascensão do renome imerecido.Nos bons velhos tempos, afirma, a fama era associada ao respeito: "O tipo de respeito que acompanha o fato de ter realizado algo digno de nota ou de possuir talento que seja de algum modo excepcional".Hoje, a fama e o respeito seguem rumos distintos, resultando num número enorme "de pessoas singularmente destituídas de talento que são famosas no momento".

A ascensão do individualismo desde o iluminismo, diz, foi acompanhada por uma ascensão paralela de seu irmão gêmeo e desagradável: o relativismo, a crença de que não existem padrões objetivos.Rowlands conclui que hoje somos "intrinsecamente incapazes de distinguir qualidade de baboseira".Embora sua tese possa encontrar eco naqueles que preferem Bach a Britney, ela se baseia numa série de enganos. Para começar, a maioria de nós já emprega a palavra "celebridade" para indicar uma versão mais inconsistente da fama.Na realidade, desde o declínio de Atenas na Antiguidade, os filósofos vêm se queixando da decadência cultural.

Francis Bacon escreveu, 400 anos atrás, que "a fama é como um rio, que traz para a superfície as coisas leves e infladas e afoga as coisas pesadas e sólidas".Deve, sem dúvida, ser irritante para os filósofos assistirem a atores de segunda linha, atletas e extrovertidos sedentos por atenção serem convidados às festas às quais eles pensam que deveriam ser chamados, em virtude exclusivamente de seu intelecto poderoso.Lamentavelmente, as coisas nunca foram assim.

A frustração dos filósofos deve-se a uma falácia de que o livro de Rowlands constitui ótimo exemplo: a ideia ingênua de que a fama deveria ser proporcional à realização.Um ator de cinema talentoso sempre será mais famoso que um contabilista talentoso, devido à própria natureza de suas ocupações.A maior e mais criativa atuação no cinema existe para ser vista por milhões de pessoas; a maior e mais criativa contabilidade é muito mais bem feita a portas fechadas.A fama é produto de determinados setores -especialmente o setor do entretenimento em massa-, não uma estrela dourada entregue pela fada do bem àqueles que fazem jus a ela.

Mas a indústria da fama de fato mudou. A ascensão das comunicações instantâneas, da mídia digital e da alfabetização em massa alimentou o mercado das estrelas.Canais de TV dedicados às celebridades, sites e revistas como "Heat" e "People" multiplicaram exponencialmente a velocidade e o volume das fofocas sobre as celebridades -e o número destas. Mas é outra falácia comparar os grandes nomes do passado a esse panteão de celebridades de terceira linha e concluir que a era dourada da razão ficou no passado.

Grandes figuras como Platão, Michelangelo, Marie Curie e Churchill foram filtradas pelo tempo; as figuras efêmeras que diariamente passam rapidamente por nossas telas de TV não o foram -ainda.Também temos nossos nelson mandelas, toni morrisons e stephen hawkings. E as eras passadas tiveram suas paris hiltons, só que já foram relegadas ao esquecimento há tempos.A própria Paris Hilton fez uma observação sagaz: "Acho que nunca houve alguém como eu que tivesse durado".Mas o erro mais gritante desse livro curto é a alegação de que aqueles que acompanham as estripulias de Paris Hilton ou assistem a "Big Brother" perderam a capacidade que tinham nossos antepassados de avaliar a qualidade.

Hoje, mais pessoas do que nunca frequentam galerias de arte, leem romances ou até mesmo lançam novas formas de arte, fato que sugere que vivemos em tempos especialmente cultos. Se também damos vazão a nossos instintos mais baixos, como o voyeurismo, o fazemos de maneiras muito mais brandas do que nossos ancestrais.Diga-se o que quiser sobre "Big Brother", ele é bem mais civilizado do que assistir a pessoas sendo devoradas por leões.

Uma análise mais refletida da celebridade moderna poderia levar em conta o fato de ela satisfazer à necessidade universal de conto de fadas (histórias sobre miseráveis que ficam ricos) e de ver a soberba ser castigada (ricos que vão parar em clínicas de reabilitação de dependentes de drogas).

Outro filósofo/crítico cultural, Daniel Herwitz, explora esses temas em seu livro "The Star as Icon - Celebrity in the Age of Mass Consumption" [A Estrela como Ícone - Celebridade na Era do Consumo em Massa, Columbia University Press, 176 págs. 14,50, R$ 49], que provoca reflexão, mas também é frustrante.Herwitz foca algumas poucas celebridades que atingiram status de "ícones": a princesa Diana, Jackie Kennedy Onassis, Grace Kelly e Marilyn Monroe. Biografias inventadas Esse status, diz, requer uma aura de distância que é quase impossível criar no mundo "de alta rotatividade" de TV e web.Apenas Diana, cuja distância se devia a sua posição de princesa legítima, pôde manter essa aura e ao mesmo tempo caber na "intimidade acelerada" da televisão: a vida dela, diz Herwitz, era "pura telenovela".

Como Rowlands, Herwitz acredita que a mídia moderna provocou o divórcio entre a celebridade e o talento. Mas a análise que faz desse aparente declínio é mais sutil e mais favorável à celebridade. A TV faz sucesso por criar uma zona de conforto de intermináveis telenovelas e familiaridade tranquilizadora, argumenta, mas a essa "normalidade" acrescenta irreverência e improvisação.Em contraste, o mundo mais glamouroso do cinema é "frequentemente objeto de adoração cult, adoração de estrelas, voyeurismo, reconhecimento equivocado e saudosismo".

O mundo ficou mais pobre sem as estrelas icônicas do passado, acha, mas devemos nos precaver contra a adesão a seus mitos autoconstruídos. São esses os mitos que são desbancados por Mark Borkowski em seu alegre "The Fame Formula - How Hollywood's Fixers, Fakers and Star Makers Created the Celebrity Industry" [A Fórmula da Fama - Como os Arranjadores, Falsificadores e Criadores de Estrelas de Hollywood Criaram a Indústria da Celebridade, ed. Sidgwich & Jackson, 320 págs., 13,59, R$ 45].Seu livro celebra os agentes publicitários, criadores de mitos que converteram a matéria-prima de Hollywood, de valor desigual, em nomes conhecidos por todos. Sendo alguém que comanda sua própria empresa de relações públicas, Borkowski conhece bem o tema.Algumas das façanhas descritas já se tornaram lendas: em 1943 o estúdio Fox fez um seguro de US$ 1 milhão das pernas de Betty Grable, e a busca pela garota que faria o papel de Scarlett O'Hara em "E o Vento Levou", de 1939, que durou três anos, "pode ser descrita como a campanha publicitária mais influente de todos os tempos".

Anões voadoresBorkowski se compraz especialmente com as estripulias do agente publicitário independente Jim Moran, que, para promover a carreira de um músico que estava em baixa, soltou um touro de verdade numa loja de louças e precisou ser impedido de usar anões voando em pipas para fazer faixas publicitárias sobrevoarem o Central Park, em Nova York.O que mais chama a atenção é o trabalho dos agentes publicitários para conservar a imagem de contos de fadas de Hollywood, apesar da devassidão de seus astros.Contrariando suas imagens saudáveis, ele afirma que o início das carreiras de algumas grandes estrelas foi insalubre:"Um filme pornô supostamente estrelado por Joan Crawford foi cuidadosamente suprimido pela MGM, tendo todas as suas cópias sido escondidas ou destruídas e sua exibição limitada a grupos seletos de executivos da MGM."Para proteger suas imagens naquela época de censura maior, alguns agentes recorriam à invenção pura e simples. "Biografias falsificadas eram a regra", escreve Borkowski.

É irônico que, enquanto Rowlands culpa a ascensão do relativismo pelo declínio percebido no talento de nossas celebridades, Borkowski atribui esse declínio à ascensão da verdade.A ascensão das comunicações instantâneas "jogou por terra a capacidade de mentir tão livremente" de que desfrutaram os agentes publicitários no passado, escreve.

A mitificação de gerações anteriores de reis, cardeais e estrelas de cinema que tão bem enganou nossos filósofos, induzindo-os a acreditar na era de ouro, deixou de ser possível na era da reportagem instantânea.Explorar esta era imediata, superexposta, requer um tipo novo e particular de gênio. Uma Paris Hilton, por exemplo.
A íntegra deste texto saiu no "Financial Times".Tradução de Clara Allain.>> (Folha de São Paulo, 08/02/2009, Caderno Mais!)

3 comentários:

Magan disse...

Como não achei nenhum link pra usar como contato, então passo por aqui mesmo:

http://intheoverland.blogspot.com/

Pra qualquer visita ulterior, quando for oportuno.

Att,
Lucas Augustus.

Magan disse...

Ah sim, comento assim que conseguir algum tempo.

Magan disse...

Olá,

Intelectuais respeitados com um argumento destes? Muito me admira. Realmente é uma idolatração a ícones ocos e estéreis. Se por motivo de fama a nudez e outros princípios que quebrem as leis for motivo de audácia, então é melhor promover carcereiros e seus astros em vigília. Existem pessoas que se ascendem justamente pelo baixo nível social, é tão insosso que infere suas presas no senso comum.

Da pra ver os Hits de sucesso, os atores e filmes de polêmico, seria até contraditório a maré ser realmente um intelectual na era coca-cola. Porque estamos tão decadentes em função dos instintos, que nos advém a forma de ficar a mercê do populismo, futebol, moda, sexo e musicas pop. Nos falta só brandir tacapes holográficos. A tecnologia nos veste, mas a essência decresce de forma vertiginosa a nos tornar comparáveis a niandertais.

O que antes seriam fama, como a bem vindoura aos filósofos, os reais idealizadores dos eixos mundiais, como Comte, Kant, Descartes, Nietzsche, Schopenhauer, deveriam ser os pilares das opiniões modernas, eu mesmo digo como fundamental pra se ter um mínimo de ciência sobre as profusões da realidade. É necessário mais que isso, mas aplicar física nas palavras.

Mas o que se tem é uma orda de desejos e vontades que deixam as cabeças ocas e distraídas, como um bom par de pernas ou um bom antro de álcool. É esse o combustível que posso me convir. O problema nem é o individualismo, mas na criação de sensos como ‘a moda da Barbie é modelo comum’, quem disse que se vestir ou ter o corpo da Barbie é sinônimo de beleza? É de todo, absurdo.

Hoje somos capazes de discernir, entre um canal da Sky e outro. Só. É o que o comodismo nos proporciona. Porque o mundo é de “Womanaizer’s” como a Britney. Tomou a forma que a população é, escutam até musica estrangeira sem nem entender a letra, o que torna tudo, superficial por excesso.

A cultura se perde o tempo todo, as vezes penso se a tradição e a cultura deve ser fechada ou não, é um dos desafios que proponho, se a cultura não fosse privada, o que seria da valorização de grandes folclores? Se passar a cultura, ela não perderia seu significado ou seria ditada ao léu? É algo que eu acho que deve ser ponderado.

O cumulo é que todos hoje lêem, coisas como ‘Atrevida’ e ‘Mundo Estranho’...Que não tem nada demais do que interesses infantis e pueris da visão adulta e um mundo inutilizável que não vão de forma alguma, se deparar. E creio eu que as grandes figuras mostram seu valor pela utilidade desta.

Tanto é que os grandes pensadores se conheciam, pois os grandes daquela época convergiam no mesmo eixo. Mas o mais engraçado, o mundo está sobrecarregado e é fadado à um manicômio para com os normais. As pessoas lêem mais e são mais cultas, mas tem que levar em consideração, que pelo fluxo de pessoas e em comparação, diminuiu sim! Gritantemente!

Acho o Big Brother em certo ponto, igual a política do pão e circo. Serve pra controlar os moldes da população, pra servir de centro de moral, senso e tudo mais. Porque hoje, não existem mais aqueles tipões de escravos, não precisa se matar alguém pra ter controle, basta dopa-la de remédios e vualá. Big Brother joga com a pessoa e faz da desgraça uma atração. É incrível como elegem o trágico como atração favorita, até mesmo degradante, para com a mesma espécie.

O que deve ser feito atualmente, é manter os olhos atentos nas massas, pois as crianças índigo estão ai no meio de tanta carnificina se destacando pela singularidade. Só que o excesso até de pessoas, dificulta a ascensão.

Adorei essa matéria.